Nos últimos anos, uma nova tendência tem ganhado força na indústria alimentícia brasileira: as chamadas “soluções lácteas”
Estes produtos, apesar do nome que sugere presença de leite, muitas vezes têm uma composição com proporção mínima ou até mesmo ausência total de leite. A crise enfrentada pela cadeia produtiva de leite no Brasil impulsionou a tendência.
A produção de leite no país tem passado por desafios significativos, resultando na saída de cerca de 600 mil produtores nos últimos 20 anos, devido a custos crescentes e disponibilidade reduzida de leite. Nesse cenário, surgem produtos de qualidade nutricional inferior e preços mais baixos, direcionados tanto para fabricantes de alimentos quanto para os consumidores finais. Essa realidade se deve em parte a brechas na legislação alimentar, que permitem até mesmo o uso de aditivos não autorizados pela ANVISA.
Um exemplo notável é a categoria de misturas lácteas, que ganharam destaque no mercado, com produtos à base de soro de leite vendidos em embalagens semelhantes às dos produtos originais. Essas soluções lácteas se tornaram uma alternativa atraente para empresas que buscam reduzir custos em meio à escalada dos preços dos produtos lácteos tradicionais.
Empresas como a Alibra, especializada em ingredientes lácteos e não lácteos, introduziram produtos como a Mozzana, uma cobertura com sabor de mussarela, projetada para ser misturada ao queijo real, com o objetivo de economizar custos. No entanto, a Mozzana não contém ingredientes lácteos, sendo composta principalmente por água, gordura vegetal, amido modificado, caseína e aditivos diversos.
As “soluções lácteas” também estão presentes nos fasts foods. A Schreiber Foods é a fornecedora de queijos processados para o McDonald’s. Ela fornece ao menos três tipos de “preparado sabor” nas modalidades prato, cheddar e mussarela, produtos feitos à base de água, gordura vegetal, queijo (não especificado), leite e muitos aditivos. Não é possível saber ao certo a composição desses produtos que são fornecidos apenas para o setor de food service e para a indústria de alimentos.
A escassez de produtos lácteos tradicionais levou a uma oportunidade de ampliar a base de clientes para produtos como compostos lácteos, substitutos de queijos, coberturas cremosas e muito mais. No entanto, informações detalhadas sobre a composição desses produtos muitas vezes não estão disponíveis para o consumidor.
A regulamentação e fiscalização de produtos de origem animal no Brasil são compartilhadas entre o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e a ANVISA. Os derivados lácteos são divididos em três categorias, com a exigência de um percentual mínimo de ingredientes lácteos no peso final. No entanto, as brechas na legislação permitiram que os fabricantes de soluções lácteas usassem termos como “cobertura” e “sabor queijo” em seus rótulos, mesmo quando os produtos continham menos de 50% de ingredientes lácteos ou nenhum leite.
A situação tornou-se ainda mais complexa com a presença de aditivos não autorizados em muitos desses produtos, aumentando a preocupação com a qualidade e a segurança alimentar. Embora o MAPA tenha se manifestado contra o uso de alegações lácteas em produtos sem ingredientes lácteos significativos, a regulamentação e fiscalização efetiva são responsabilidades da ANVISA.
Em 2022, a ANVISA convocou uma reunião com entidades setoriais e fabricantes de aditivos para abordar a expansão desses produtos no mercado. As entidades foram informadas de que “não têm respaldo nenhum na regulamentação que permita o uso de aditivos”. No entanto, muitos produtos irregulares continuam disponíveis nas prateleiras dos supermercados.
No geral, a tendência das soluções lácteas levanta questões importantes sobre a regulamentação, rotulagem e qualidade dos alimentos no Brasil. Com a demanda por produtos mais acessíveis e duráveis, a indústria de alimentos busca inovações que, por vezes, comprometem a integridade dos produtos tradicionais, deixando os consumidores em busca de maior transparência e regulamentação eficaz.
Fonte: Terra (editado)